É fato que ao buscar uma psicoterapia pela primeira vez, os clientes/pacientes chegam ao consultório certos de que o profissional é um especialista no assunto e trará a solução para todos os seus problemas, de maneira rápida e efetiva. Entretanto, na prática, tal postura por parte do profissional pode não ser tão positiva para o processo terapêutico. Para aprofundarmos um pouco mais no assunto, foi escolhido o capítulo 2, “O cliente é o especialista: a abordagem terapêutica do não saber”, escrito por Harlene Anderson e Harold Goolishian, presente no livro “A terapia como construção social”, publicado em 2020 (2ª edição).
Os autores, Anderson e Goolishian (2020), em contrapartida à visão do terapeuta como detentor do conhecimento, nos apresentam a abordagem terapêutica do não saber, dentro do pensamento sistêmico. De acordo com ambos, a ação humana só pode ocorrer dentro de uma realidade criada socialmente, por meio do diálogo, ou seja, “as pessoas vivem e compreendem seu viver por meio de realidades narrativas construídas socialmente, que conferem sentido e organização à sua experiência”.
A posição narrativa de ambos se apoia em oito principais premissas, sendo elas:
“1) os sistemas humanos são geradores de linguagem e geradores de sentido, simultaneamente; 2) o sentido e o entendimento são construídos socialmente; 3) qualquer sistema em terapia é formado dialogicamente em torno de algum problema; 4) a terapia é um evento linguístico que ocorre no que chamamos de conversação terapêutica; 5) o papel de um terapeuta é o de um artista da conversação – um arquiteto do processo dialógico cuja especialidade está em facilitar e criar o espaço para uma conversação dialógica; 6) o terapeuta exercita esta arte pelo uso de perguntas terapêuticas ou conversacionais; 7) os problemas com os quais lidamos na terapia são ações que expressam nossa narrativa humana de tal forma que diminuem nossa sensação de liberdade pessoal e capacidade de ação; e, por fim, 8) a mudança em terapia é a criação dialógica de uma nova narrativa, e, portanto, a abertura de oportunidades para novos meios de ação (2020)”.
Segundo esta postura o processo terapêutico passa a ser chamado de conversação terapêutica, onde ocorre um esforço em busca de entendimento e exploração, através do diálogo de problemas. No setting, terapeuta e cliente
participam em conjunto e ativamente no desenvolvimento de novos sentidos, novas realidades e novas narrativas. Sendo assim, o terapeuta precisa sair do papel de detentor do conhecimento e das soluções, passando seu foco para a abertura de espaços voltados para a conversação.
Mas, na prática, como fazer isso? O ponto principal é adotar uma posição de não saber, demonstrando uma curiosidade genuína e abundante a respeito do cliente e de sua história pessoal. Para isso precisamos estar sempre buscando ser informados pelo cliente, ao invés de assumirmos opiniões e expectativas sobre o que está sendo dito. Por não saber, o terapeuta pode ser movido pela curiosidade, levando a sério a história do cliente e se unindo a ele para explorar seu entendimento sobre sua própria experiência (Anderson e Goolishian, 2020).
Como cocriadores do diálogo podemos deixar o cliente livre e relaxado, já que este não precisa mais “promover, proteger ou convencer o terapeuta de seus pontos de vista (2020)”. Assim, ao invés do terapeuta somente trazer narrativas teóricas predeterminadas na posição de especialista, ambos (terapeuta e cliente) conseguem interpretar e compreender, juntos, o que está sendo trazido, desenvolvendo novos sentidos.
No contexto clínico do dia-a-dia, além de adotar a posição do não saber, podemos utilizar como ferramenta principal as perguntas terapêuticas conversacionais, que devem se originar sempre da necessidade de saber mais sobre o que foi dito. Por não saber, podemos nos informar pelas histórias dos clientes, mergulhando em suas linguagens e narrativas, e aprendendo com o seu próprio conhecimento. Na visão dos autores, as perguntas terapêuticas são impulsionadas por diferenças de entendimento, e extraídas do futuro pela possibilidade ainda não realizada de um entendimento comum.
Ademais, é importante lembrarmos que não existe receita de bolo, e que tais perguntas não podem ser pré-planejadas ou pré-concebidas, elas surgem por meio do diálogo no momento em que ele está acontecendo, guiadas pelo evento conversacional imediato. “O que recém foi contado, é a resposta para qual o terapeuta deve encontrar uma pergunta”, ou seja, como terapeutas, nossa tarefa é encontrar uma pergunta para o qual o relato imediato da experiência e da narrativa
apresentem uma resposta. Por fim, a resenha de hoje é um convite para você, terapeuta, realizar a leitura não só do capítulo em questão mas da obra completa, disponível para compra diretamente com a editora do Instituto Noos.
Referência:
ANDERSON, H.; GOOLISHIAN, H.A. O cliente é o especialista: A abordagem terapêutica do não-saber. In: MCNAMEE, S.; GERGEN, K. J. (orgs). A terapia como construção social. São Paulo: Instituto Noos, 2020, p. 53-72.
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