Peter Rober
Texto baseado no artigo “O “não” do cliente: o desafio de criar espaço dialógico para ambos os parceiros na terapia conjugal” de Peter Rober (2016).
Por Vanessa Pereira de Lima
O artigo “O ‘não’ do cliente: o desafio de criar espaço dialógico para ambos os parceiros na terapia conjugal”, escrito por Peter Rober, psicólogo e terapeuta de família, publicado na Revista Novas Perspectiva Sistêmica (2013), traz reflexões pertinentes acerca do processo dialógico na Terapia Conjugal e Familiar (TCF). Afetado e inspirado por estudos e reflexões de Mikhail Bakhtin, o autor apresenta a complexidade que ocorre em um processo terapêutico, em que há múltiplas vozes postas em diálogo e a posição do terapeuta com o não-saber.
O autor apresenta as tensões que ocorrem em um processo dialógico, uma vez que este é composto por pluralidades de vozes, contextos e diferenças, nas quais cada membro olha para o fenômeno que está em cena, tornando-se um espaço desafiador para o terapeuta.
O artigo apresenta o marco conceitual da relação terapêutica na TCF, suas principais contribuições e avanços desde a mudança de paradigma da cibernética de 1ª ordem para o Construcionismo Social, quando o terapeuta sai do lugar de uma suposta neutralidade, alguém fora do sistema familiar em processo terapêutico, para um dos atores que compõe o processo. Assim, são os aspectos éticos na tomada de decisão do terapeuta, nos quais se adota na prática o princípio do não-saber, apostando na curiosidade de apreender o sistema singular de cada família, conduzem a uma prática, uma postura ética e não um método a ser aplicado em qualquer sistema e contexto familiar.
O não-saber passa a ser uma ferramenta fundamental para as reflexões da TCF ao tratar o encontro entre terapeuta e sistema familiar ou conjugal, no qual o especialista não é o terapeuta, mas o cliente, como apontaram Anderson & Goolishian (1992). O autor avança ao colocar em análise a crítica feita por David Paré (2002) ao questionar se não seria mais uma perspectiva individualizadora ao colocar apenas um dos atores (terapeuta ou cliente) no lugar de um suposto saber. Já Guilfoyle (2003) acrescenta que tal pensamento não leva em consideração a relação de poder e assimetria que pode envolver o processo terapêutico e ao negar essas posições, o poder estaria investido em autoritarismo e não em uma perspectiva ética e dialógica.
Após a apresentação do marco conceitual que traz importantes reflexões para o leitor, o próximo tópico apresenta o processo dialógico como tema central na TCF. Sendo a vida um contínuo diálogo, são as multiplicidades deste diálogo em um processo terapêutico que, ao mesmo tempo, em que causam tensão e conflito, também são o meio pelo qual se abrem questões, perguntas e curiosidades. Para isso, pensar/agir a partir da alteridade é importante para promover um espaço dialógico, no qual o encontro com os diferentes atores (cliente e terapeuta) se construa mutuamente. Outro ponto destacado é o posicionamento que todos os atores assumem na TCF, incluindo o terapeuta. Por fim, a primeira parte do artigo apresenta os desafios de criar espaços dialógicos em um processo terapêutico e, na segunda parte, um estudo de caso.
Na segunda parte do artigo, é apresentada a prática da terapia conjugal, mostrando como as mudanças no processo terapêutico ocorrem. É comum, inicialmente, o casal se apresentar como “nós” e, aos poucos, irem ganhando singularidade. A iniciativa também costuma vir de um dos pares do casal ou da família, deixando alguns mais relutantes, e parte do desafio do terapeuta é trazer o espaço dialógico, as múltiplas vozes e olhares dos diferentes atores do processo terapêutico.
Após toda uma explanação conceitual, o autor apresenta o caso de John e Tina. Na apresentação do caso, o autor levanta aspectos da posição que os atores envolvidos no processo ocupam e os desafios que o terapeuta enfrenta para lidar com as polifonias de vozes, olhares e tomada de decisão a partir dessas multiplicidades para a construção de um espaço dialógico de escuta mútua, que considera os conflitos como parte das diferenças. Isso não quer dizer que o terapeuta não possa colocar em diálogo suas expertises, a forma de recolocar o problema, na escolha das palavras e no reconhecimento da hesitação do cliente, são essas expertises que propiciam ao terapeuta criar espaços dialógicos.
Outro ponto levantado no artigo é que o “não” do cliente implica uma resistência a um suposto saber por parte do terapeuta. Assim, reconhecer esse “não” pode implicar na abertura de um processo dialógico, pois possibilita ao terapeuta curioso a criação de pistas, aberturas e fluxos para uma conversação.
As relações de gênero no processo terapêutico também são pistas importantes na compreensão de que nem sempre a ida ao processo terapêutico é consensual, muitas vezes partindo da iniciativa de mulheres, e caso isso não seja acolhido, os homens podem não encontrar espaço nesse processo. Assim, é importante atentar-se ao que significa o “não” do cliente e como criar espaço de diálogo que contemple a todos envolvidos na TCF, principalmente na construção de alianças terapêuticas. Uma pista que pode guiar um processo terapêutico acolhedor é perguntar quem buscou a terapia. Essa pergunta pode aproximar a todos os envolvidos, ao propiciar que ambos falem como é compartilhar tal espaço e a frustração por parte do mais comprometido.
Para concluir, o processo terapêutico que considera o “não” do cliente se propõe como uma pista, uma ferramenta que o terapeuta carrega consigo. Estar em grau de abertura é estar ativamente no processo terapêutico, na produção de um espaço em que o diálogo seja a própria condição da TCF.
Referência
Rober, P. (2016). O “não” do cliente: o desafio de criar espaço dialógico para ambos os parceiros na terapia conjugal. Nova Perspectiva Sistêmica, 22(47), 8–25. Recuperado de https://www.revistanps.com.br/nps/article/view/30
Vanessa Pereira de Lima
Aluna colaboradora da 4ª turma do Curso de Formação em Terapia Familiar Sistêmica Contemporânea
Psicóloga Social
Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Subjetividades e Instituições em Dobras (GEPSID/UERJ)
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